Entre Rios, Bahia, 17 de novembro de 2021.
A resposta de uma não-indígena que é da Mesopotâmia, não de Marte.
Querido Denilson Baniwa,
Li a carta para o seu parente em Marte e espero que ela tenha chegado ao planeta vermelho. Aqui, entre os rios Inhambupe e Subaúma realmente tivemos um dia chuvoso, como você desejou que fosse nessa outra parte do sistema solar. Não uma chuva com tempestades que levam casas e esperanças, mas sim gotas que caem numa resposta às preces do povo do agreste baiano, que pedem, suplicando a mãe-terra, água-alimento. Uma chuva acalentadora que revigora as energias e a fé. Tenho certeza que a Terra sabe do que a gente precisa.
Recentemente descobri que na feira, quando chove, não tem semente de coentro verde, porque coentro é sensível à água. Não sei se tem chuva em Marte, tampouco coentro, mas com certeza tem sensibilidade. Penso que a gente pode chamar de sensível tudo aquilo que sente. Quem quer que habite lá, sente. Poeira, pedra ou gente. Serei sincera com você, numa intimidade de quem com um só pilão amassa junto o coentro em semente para o preparo da refeição, no exato instante em que o aroma invade nossos poros e se faz irremediavelmente presente: não queria que existisse TV, e Largados e Pelados, e apocalipses, e milionários. Parece que eles são como alimentos cheios de toxinas para essa fera de consumo que habita em mim e em pessoas não-indígenas.
Sabe, meu avô Tonho planta feijão na roça e não precisa de nada disso. Não precisou de TV para aprender a plantar, de um programa para dizer-lhe como debulhar o grão, de fim de mundo para adianta-lo em vida ou de milionário para precarizar o seu viver. Da última vez em que estive na sua casa, sentado no chão com as pernas dobradas e os pés cheios de barro, ele separava o feijão verde recém-colhido e enfiava todos os grãos num saco branco de náilon, com a habilidade que só tem quem já repetiu aquilo muitas vezes. Os pés descalços do meu avô contam que o essencial à vida é a terra.
Não sei se os cientistas da NASA sequer sabem o que é feijão verde, semente de coentro, feira, sensibilidade ou pés no chão, já que parecem se importar apenas em conjugar verbos como dominar, ocupar e explorar. Vez ou outra, essas mesmas pessoas inventam palavras como sustentabilidade, desenvolvimento e progresso, que de nada servem além de reafirmar o seu ddd: destruição, devastação e descaso.
E, já que estamos tendo uma conversa franca, espero que a Discagem Direta à Distância de quem acha válido sair por aí invadindo e explorando territórios nunca alcance Marte e seus povos originários, que certamente não tem TV, Largados e Pelados, e milionários. Estes que só terão apocalipse se os não-indígenas chegarem lá.
Com a força de quem sente o chão com os pés descalços,
Te vejo daqui.
NATÁLIA SIMÕES LIMA.
Essa carta foi uma resposta à carta de Denilson Baniwa, para acessá-la clique aqui:
De Denilson Baniwa para o parente que vive na Terra Indígena Marte.
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