De Agnelo Xavante ao governo do MT

 Marãiwatsédé, Mato Grosso, 01 de junho de 2011. 

NOTA DE REPÚDIO DA CIX CONTRA A PROPOSTA DO GOVERNO DO MATO GROSSO.

Não senhor governador. Não iremos aceitar a injúria que nos foi colocada.

Não vamos desocupar nosso território tradicional Marãiwatsédé para dar lugar às plantações desse agronegócio sujo que se espalha como praga no Mato Grosso e por todo o país.

Não nos confunda com seus pares. Não negociamos o nosso território.

Nem por todo o dinheiro que possam tirar de suas fazendas e plantações, nem com todo ouro que possam ter, não compraram nossa Marãiwatsédé.

Não embarcaremos mais uma vez na caravana do êxodo que assassinou mais de uma centena de Xavante, na década de 60, quando a Agropecuária Suyá-Missú nos expulsou daqui.

O disparate proposto pelo Governo do Mato Grosso, de levar nossas famílias de Marãiwatsédé para o Parque do Araguaia não encontra qualquer amparo legal.

É uma afronta ao que bem entendemos como nossos direitos amparados pela Constituição Federal e por organismos internacionais de Direitos Humanos, como a convenção 169 da OIT.

Senhor Governador, o agronegócio não é mais importante que a vida do povo Xavante que há anos luta para ter o direito de viver em paz dentro de seu território.

Daqui não sairemos jamais. Marãiwatsédé é Território do povo Guerreiro Xavante.

 

Saudações Indígenas,

Cacique Guerreiro Agnelo Xavante

COORDENADOR GERAL DO CIX

e Presidente do CONDEF – COIAB

 

fonte: https://amazonianativa.org.br/indigenas-posicionam-se-sobre-proposta-de-retirada/ 


Lançamento do livro Cartas para o Bem Viver



No dia 20 de abril de 2021 foi lançado, por meio de uma live no canal do Youtube Boto-cor-de-rosa, o livro Cartas para o Bem Viver, organizado por Rafael Xucuru-Kariri e Suzane Lima Costa. O livro reúne 50 cartas que, segundo os organizadores, são urgentes “para falar, estar ou inventar um porvir do Bem Viver entre nós”. Dentre os autores das cartas, tem nomes como: Ailton Krenak, Angela Mendes, Sônia Guajajara, Graça Graúna, Tim Ingold, Denilson Baniwa, Taquari Pataxó, Márcia Kambeba, Bianca Dias, Juvenal Payayá, Antonio Marcos Pereira, Rosinês Duarte, Stephanie Pujól, Paloma Vidal, Beth Rangel, Nego Bispo, Leonardo França, Arissana Pataxó, Milena Britto, entre outros.

A live de lançamento do livro contou com a presença de Ailton Krenak, Angela Mendes, Rafael Xucuru-Kariri e Suzane Lima Costa, com mediação de Milena Britto, e tradução em Libras de João Bispo e Letícia Damasceno. Adquira o livro, que já está disponível para download gratuito no site da livraria Boto-cor-de-rosa (aqui), e confira a live de lançamento, disponível no Youtube (aqui).

Quem é a Copipe?

 Brasil, Aldeia Brejinho, Povo Pankará, 10 de julho de 2005.


(...) não bastava prender Dena, pois um dia ele iria voltar e continuaria seu trabalho

junto a sua comunidade. Dena tinha que desaparecer do seu povo definitivamente. E

assim se deu o plano para ceifar a vida de um grande guerreiro que tanto lutou pela

dignidade de seu povo (...)

Comissão de Professores Indígenas em Pernambuco – COPIPE”



Neste trecho da carta escrita pela Comissão de professores indígenas de Pernambuco (COPIPE), datada no ano de 2005, vê-se, nas entrelinhas, mais lágrimas indígenas sendo derramadas sobre as terras que cobrem os corpos de seus inúmeros mortos. 


Desta vez a perda foi dupla, eles choram a morte de um dos seus guerreiros mais valentes e líderes mais ativos, Adenilson dos Santos , conhecido intimamente como “Dena”. Ele, Adenilson, foi alvejado a tiros, juntamente com seu filho, Jorge Vieira, de 16 anos, durante uma festividade. 


A carta foi grafada durante o XIII “encontrão” da Copipe. Evento que reuniu diversos indivíduos indígenas, mas também não indígenas que se interessam pela causa indígena, pela educação ou pela intersecção das duas pautas. 


A Copipe - bastante citada acima - trata-se de uma organização indígena formada por professores, alunos e entre outros filhos dos 12 povos indígenas de Pernambuco (Atikum, Fulni-ô, Kambiwá, Kapinawa, Pankaiuká, Pankararu, Pankará, Pipipã, Potiguara, Truká, Tuxá e Xukuru), que desde 1999 vem lutando, em meio às adversidades sociais, institucionais e políticas, por uma educação escolar indígena específica, decolonial, diferenciada, intercultural e de qualidade para os povos originários de Pernambuco e, consequentemente, do Brasil.  


O evento onde esta carta foi escrita aconteceu em terras Pankará, como visto no cabeçalho da carta.

O povo Pankará habita, atualmente, uma porção territorial da Serra do Arapuá, localidade do sertão semiárido de Pernambuco. Eles dividem, meio a brigas, restrições de direitos e interferências do poder público, territórios com agricultores, na sua maior parte não-índios. É muito importante salientar que essa habitação é filha de resistências ideológicas e cosmológicas deste povo que sofre o usurpo de suas terras e consequentemente de suas existências. A recuperação territorial está amalgamada com as suas tradições espirituais, os Terreiros, Gentios e Reinados. Foi através da prática que eles iniciaram a retomada territorial, e atualmente com certeza, isso é um fator de ajuda.



Retornando a Copipe, veremos que “Educação é um direito, mas tem que ser do nosso jeito” e “Escola formadora de guerreiros e guerreiras” são as duas máximas fundamentadoras dos preceitos desta organização que ,atualmente, em 2021, mais especificamente em novembro, chegará no seu vigésimo segundo aniversário. 


Durante sua trajetória, a Copipe, além de moldar uma educação escolar que contemple o bem viver indígena, transforma sua força de trabalho, advinda da união de professores e alunos indígenas, em um espaço de fomento às discussões inerentes às questões territoriais, políticas e sociais que rodeiam as comunidades indígenas de Pernambuco. Mostrando e afirmando que a educação e o espaço educacional são pontos essenciais na constituição de qualquer sociedade. 

Logo, pode-se afirmar que ela vem fazendo-se um lugar que necessita de preservação e de atenção tanto da parte daquele que é indígena, quanto dos não indígenas. Pois, apoiar e favorecer a integridade de organizações como esta é ampliar a possibilidade de vivência da cultura e existência dos povos originários, o que deve urgentemente acontecer nas vivências dos brasileiros, pois assim será possível evitar ou amenizar episódios como o dos assassinatos dos indígenas Tuka e Jorge Vieira ( acontecimento citado no trecho que inicia esse texto).


Para saber mais sobre a Copipe e sobre os Pankará acesse:



Texto de: João Vitor Carvalho

 


Da Copipe ao Brasil

 


Aldeia Brejinho, Povo Pankará em 10 de julho de 2005.

Carta de Repúdio: Execução Sumária das Lideranças Truká


Nós, professores/as e lideranças indígenas em Pernambuco, reunidos/as no XIII Encontrão da Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco – Copipe, no povo Pankará, vimos por meio desta carta, mostrar o nosso protesto e repúdio ao assassinato do líder Truká Adenilson dos Santos e seu filho Jorge Vieira de 16 anos.


Dena, liderança Truká, tinha uma fundamental atuação junto às ações implementadas por seu povo na luta pelo território tradicional e a exemplo de outras lideranças no Brasil, era perseguido, não só pelos antigos posseiros da Ilha de Assunção, mas também pela Justiça, que visando lhe incriminar para desmobilizar a luta pela terra dos Truká, movia seguidos processos contra a sua pessoa. No entanto, não bastava prender Dena, pois um dia ele iria voltar e continuaria seu trabalho junto a sua comunidade. Dena tinha que desaparecer do seu povo definitivamente. E assim se deu o plano para ceifar a vida de um grande guerreiro que tanto lutou pela dignidade de seu povo.


A estratégia já estava armada há muito tempo, com um grupo de operações especiais da polícia militar que deveria coibir o tráfico de drogas. Aliado a isso, o projeto da transposição das águas do Rio São Francisco, que trouxe o Ministro da Integração Nacional – V.Exa. Ciro Gomes – para Ilha da Assunção e aí como quem quer retomar a colonização de há 500 anos atrás, constrói casas na ilha trazendo a falsa imagem do desenvolvimento. Agora sim, o circo estava armado e todos podiam depositar confiança no governo e na polícia, pois, todos estavam ali para “proteger” o povo Truká.


Um povo alegre comemora o suposto desenvolvimento com festa. Momento e local propicio para aqueles que deveriam proteger, e ao contrário, se colocam a serviço dos invasores anti-indígenas e executam o plano de execução sumária que já estava planejado há muito tempo.


Dena que saiu de sua casa para falar com o administrador da Funai, de repente percebe que todo povo se alvoroça, entre eles muitas crianças e velhos/as. São os policiais que à paisana, chegam de repente ao local da festa, quatro membros, cada um com duas pistolas nas mãos, já atirando e a procura do líder Truká que, ao se mostrar, foi alvejado por uma enxurrada de tiros sem ouvir um único anúncio de prisão. Dena e seu filho foram mortos e não tiveram a menor chance de se defender, nem mesmo de receber socorro, pois até isso foram impedidos por este grupo de extermínio, apelidados de policiais.


 Nosso maior repúdio é o fato de que vidas humanas estão sendo ceifadas, sem a menor chance de defesa, em nome de um desenvolvimento que não chega para todos, apenas para um pequeno grupo de privilegiados, e o Estado que deveria proteger, passa a ser o que executa as vidas, o que determina quem, onde e quando deve morrer. Essa polícia que tem demonstrado despreparo e alto índice de corrupção continua na rua, ameaçando e pondo medo em cidadãos/as indefesos/as.


Nos sentimos totalmente desprotegidos, porém não vencidos e a luta dos nossos povos falará mais alto e não será matando nossos guerreiros que a luta pela terra irá parar, pois um guerreiro como Dena e seu filho plantado, novos guerreiros surgirão e seremos milhões.


 

Comissão de Professores Indígenas em Pernambuco -COPIPE


Fonte: https://cimi.org.br/2005/07/23684/ 






 



Quem é Eloy Terena

Luiz Henrique Eloy Amado - Eloy Terena -, nasceu em 1988 e é indígena Terena da aldeia Ipegue, no Mato Grosso do Sul. Atualmente, com 32 anos, é advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e uma das jovens vozes indígenas do país. Eloy possui doutorado em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales - EHESS, de Paris, na França.

Após a separação de seus pais, Eloy passou a viver com sua mãe. Trabalhando como faxineira, Zenia sustentou sua família no Campo Grande e formou dois filhos: Eloy e Simone. Após estudar em colégios públicos, Eloy cursou a graduação em Direito na Universidade Católica Dom Bosco e ganhou uma bolsa integral por meio do Programa Universidade para Todos (Prouni). Nela, entrou em contato com a luta de outros povos indígenas e passou a se interessar pelo Direito ligado às causas indígenas. Em seu mestrado, na mesma Universidade, enfrentou as primeiras perseguições, que seguiram, desde a época em que atuou como advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).¹

Eloy Terena tem sido um dos importantes articuladores na defesa dos povos indígenas durante o período da pandemia, tendo em vista o aumento nos casos de violência enfrentados por indígenas nesse período: de invasões ao descaso do Governo Federal. Em agosto de 2020, Eloy foi responsável pela Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional (ADPF) que garantiu a decisão favorável, em que “o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, decidiu obrigar o governo Jair Bolsonaro a adotar medidas de proteção dos povos indígenas contra a covid-19, que ameaça aldeias desde o início da pandemia do novo coronavírus”.¹ Ricardo Galhardo, do jornal O Estado de S. Paulo, comenta o fato histórico dessa ação: “Mais do que uma vitória dos povos indígenas e uma derrota do governo, a decisão do Supremo foi recebida como uma conquista histórica. Pela primeira vez, desde a criação do tribunal, um advogado autodeclarado indígena venceu uma ação de jurisdição constitucional na Corte.” Eloy também denunciou "a política de extermínio indígena" promovida pelo governo brasileiro ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Em sua tese de doutorado “Vukápanavo - O despertar do povo Terena para os seus direitos: Movimento indígena e confronto político”, Eloy faz um percurso histórico dos Terena, observando o olhar que os antropólogos não-indígenas destinaram ao povo, comentando sobre suas lideranças e destacando momentos de importância política e social, tanto para o povo quanto para o Brasil como um todo. Eloy também aborda sua atuação, em primeira pessoa, no confronto político do movimento indígena, relatando reuniões, assembleias, encontros e manifestações, bem como as cartas do povo Terena, endereçadas às autoridades nacionais. Em sua tese, destaca os intensos contatos dos Terena com os não-indígenas, destacando que esse, entre outros elementos, precisam ser observados para reflexão sobre a realidade dos povos. 

Os Terena, com população estimada em 16 mil pessoas em 2001, vivem atualmente em um espaço fragmentado, separado por fazendas e espalhados por sete municípios do Mato Grosso do Sul - estado que abriga uma das maiores populações indígenas do país. Também estão presentes no Mato Grosso e em São Paulo, mas nessas duas últimas localidades, as famílias Terena foram levadas pelo Serviço de Proteção aos índios (SPI) para serem "exemplo" de "obediência" ao sistema e produção nas práticas agrícolas. Isso porque os Terena passaram por grande contato com não-indígenas, sendo, inclusive considerados um povo estritamente bilíngue por saberem também a língua portuguesa, além da língua terena.²

Para Eloy, o pensamento Terena pode se entender em fluxo: “no sentimento de pertencimento e na percepção da alteridade”³. Pertencimento aos Terena, seja na aldeia ou fora dela; alteridade na capacidade de conviver e se apropriar de outros símbolos. Assim, a disposição de ouvir o outro e dialogar, aliado a percepção do sistema atual, suas leis e políticas, são o que formam o pensamento Terena. Ao fim de sua dissertação, Eloy relembra que a participação indígena no processo da Constituinte de 1998, mesmo ano de seu nascimento, resultou em texto que contemplava a dimensão sociocultural indígena, representando a importância do Movimento Indígena, um movimento que não para, pela existência dos povos. 


Para saber mais sobre Eloy e os Terena, consulte: 

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-advogado-que-marcou-o-direito-indigena,70003392157¹

https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Terena³

http://apib.info/files/2019/09/Tese-Mestrado-Eloy-Terena.pdf³

https://racismoambiental.net.br/2020/08/04/luiz-eloy-terena-essa-acao-e-a-voz-dos-povos-indigenas-no-stf/

www.instagram.com/eloyterena/


Texto de: Gabriel Amorim

De Luiz Henrique Eloy Amado ao Brasil

  29 de outubro de 2012.


Carta aos meus companheiros de luta.


"Fui literalmente perseguido por pistoleiros, mas não foi dessa vez! Não irei recuar, Não tombarei enquanto não ver todas as terras indígenas demarcadas"


Desde que me propôs a lutar pelos direitos de meu povo tenho acompanhado as constantes violências que as comunidades indígenas sofrem em Mato Grosso do Sul. Tenho acompanhado a situação do Povo Guarani, Kaiowá, Terena, Ofaié e Kadiwéu.

No último sábado puder sentir na pele a guerra instalada em Mato Grosso do Sul contra os índios de Mato Grosso do Sul.

Na qualidade de advogado da comunidade, desloquei-me até a área de conflito dos Kadiwéu, juntamente com o historiador Saulo Cassimiro, três lideranças Terena e uma liderança Kadiwéu. Na saída da área retomada, fomos literalmente perseguidos por homens armados (pistoleiros) que estavam em 6 caminhonetes. Na carroceria homens com armas de cano longo. 

Como eu estava na direção, imediatamente manobrei o carro, no sentido de retornar para área onde estava o acampamento da comunidade Kadiwéu. Foram momentos assustadores vivenciado por mim e meus companheiros. Os pistoleiros só não nos alcançaram por conta das inúmeras porteiras das fazendas.

Esta é a realidade das comunidades indígenas, que ficam a mercê de pistoleiros contratados por fazendeiros. Em locais de difícil acesso e sem comunicação alguma. Quando isso aconteceu era por volta das 18:25 hs, conseguimos sair por uma estrada pela mata guiado pelos nossos patrícios Kadiwéu. Só fomos chegar no local onde pega celular as 4:00 hs da manhã.

Os fazendeiros por meio de suas milícias armadas impedem a passagem das pessoas nas estradas que cortam suas fazendas, colocando cadeados e pistoleiros. Transgridem o direito de passagem. 

Instauram uma verdadeira terra sem lei!!

Situação como esta me impulsiona a cada vez mais lutar pelos direitos de meu Povo. 

Juntamente com nossas lideranças e o movimento indígena, NÃO IREI RECUAR!!

 

Luiz Henrique Eloy Amado

Terena da Aldeia Ipegue

Advogado


Fonte:

https://solidariedadeguaranikaiowa.wordpress.com/2012/10/30/carta-aos-meus-companheiros-de-luta/



1 Disponível em: <http://rutevera.blogspot.com.br/2012_10_01_archive.html>. Acesso em: 8 set. 2016.

2 Advogado, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), militante da causa

indígena e doutorando em Antropologia Social no Museu Nacional – Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ).


Quem é Davi Kopenawa Yanomami: autor das cartas do sangue



Davi Kopenawa Yanomami, que hoje é um dos mais conhecidos ativistas de seu povo, voz e corpo presente na luta pela defesa dos povos da Terra Indígena Yanomami, nasceu em 1956 na comunidade Marakana, no alto do rio Toototopi. Em sua vida adulta, trabalhou como intérprete da Fundação Nacional do Índio (Funai), o que lhe permitiu viajar e entrar em contato com outras comunidades, movimentos organizados e lhe deu um acesso maior às autoridades. Começou, em 1983, a lutar pelo reconhecimento de seu território e contra as invasões de garimpeiros ilegais, que mais tarde contaminaram uma parcela dos Yanomami com malária e gripe, o que ocasionou a morte de uma parte de seu povo. Nos anos que sucederam o início de sua luta a favor do território, Davi Kopenawa viajou pelo Brasil, e outros países, discursando, promovendo debates com autoridades e recebendo prêmios por seus feitos (como o prêmio Right Livelihood em 1989), se tornando assim um ávido representante da luta de seu povo a favor da vida e da terra.


Para os Yanomami, a terra-floresta (urihi) é uma entidade viva, não devendo ser tratada como um espaço a ser explorado em benefício do lucro. É uma entidade necessária para a continuação da vida dos humanos, dos espíritos e dos animais. Davi Kopenawa afirma que “A terra-floresta só pode morrer se for destruída pelos brancos. Então, os riachos sumirão, a terra ficará friável, as árvores secarão e as pedras das montanhas racharão com o calor. Os espíritos xapiripë, que moram nas serras e ficam brincando na floresta, acabarão fugindo. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los para nos proteger. [...]." Devido a sua incansável luta para garantir os direitos de seu povo e de sua terra, e em parceria com outros líderes indígenas, a Terra Indígena Yanomami foi reconhecida e demarcada em 1992.


Em 2004, Kopenawa fundou a associação Yanomami Hutukara, que elabora diversos projetos referentes à saúde e educação para os Yanomami, e que promove ações de defesa às terras indígenas. A associação foi responsável pelo êxito em diversas lutas, como a recuperação das terras roubadas por pecuaristas nos anos 70, a expulsão de garimpeiros ilegais que ocupavam as terras e, mais notoriamente, por conseguirem de volta as amostras de sangue dos Yanomami, que estavam em posse das instituições científicas dos Estados Unidos, caso que Davi Kopenawa relata em cartas escritas entre os anos de 2002 e 2003 (confira a carta na íntegra).


Atualmente, Davi Kopenawa Yanomami é presidente da associação Hutukara, que avança ainda mais nos projetos para a melhora na saúde e educação Yanomami, é membro colaborador da Academia Brasileira de Ciências (ABC), e escreveu, em parceria com Bruce Albert, o livro A queda do céu: Palavras de um xamã yanomami, publicado no Brasil e em outros países. 

Para saber mais sobre Davi Kopenawa, consulte: 


https://www.survivalbrasil.org/davibiografia

http://www.hutukara.org/

https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Yanomami

https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/davi-kopenawa-nao-mexam-mais-com-a-nossa-terra-mae


Texto de: Beatriz Rodrigues

O Brasil destinatário das cartas


                                   
Imagem: Leonardo França.







"Quando decidimos registrar as cartas encaminhadas pelos indígenas ao Brasil, eleger o Brasil como destinatário, e como o outro partícipe da vontade reivindicatória e manifesta do indígena, foi nossa primeira prática seletiva, nossa primeira experimentação e o nosso primeiro encontro para uma definição de uma metodologia para organizar as cartas. Mas o que significa, afinal, o Brasil como interlocutor primeiro dos indígenas? Quem é o Brasil-destinatário das cartas escritas pelos índios? Na primeira seleção das cartas escritas entre os anos 2000 até 2002, recortamos o Brasil-destinatário como o Brasil das comemorações dos 500 anos, que diretamente os indígenas apontavam como o povo ou nação de brasileiros. No segundo momento da nossa análise, o Brasil-destinatário já tinha nome próprio: os dos três últimos presidentes da República e/ou das demais autoridades indicadas por eles para ocupação dos principais cargos públicos no país. Na terceira seleção de cartas, O Brasil não era um destinatário direcionado, mas sim a interlocução, o vocativo, que marcava e convidava os brasileiros para uma conversa particular sobre a situação dos índios hoje. Nesses três modos de explicar quem é o Brasil-destinatário das cartas dos indígenas há também algo muito comum nas cartas por nós catalogadas: o destinatário ao mesmo tempo em que carregava uma vasta representatividade é também, e principalmente, um ausente. Logo, as cartas dos Povos indígenas também cumprem o destino de ser “um escrito que alguém envia a um ausente para lhe fazer ouvir seus pensamentos.” (Grassi, 1998: 2). Grassi lê essa ausência como um ‘espaço entre dois’, espaço que a própria lógica da correspondência ativa na relação remetente-destinatário. Logo, a diferença de uma carta para outros escritos pode ser justamente a ordem do encontro e, conseqüentemente, a presença na ausência que a própria escrita assegura. Sendo assim, é também o destinatário que garante a possibilidade dessa interação, fazendo valer tanto a dialogia do que está ‘entre dois’, quanto os objetivos de quem remete as correspondências. Daí o fato de entender o Brasil-destinatário tanto como representante autorizado a responder às reivindicações dos indígenas, quanto como o espaço simbólico que conclama o leitor qualquer, os brasileiros sensíveis e partícipes da causa indígena. Com essa definição construímos o desenho geral do arquivo, catalogando e analisando em notas de rodapé as correspondências destinadas aos Presidentes da República, o que também fizemos com as cartas que não possuíam destinatário nominal, mas que evocavam o povo brasileiro como seu interlocutor direto. Assim no Brasil-destinatário dos índios e nos modos de construir essa interlocução, o que se evidencia é que o destino dessas cartas terá sempre no coletivo a sua razão dialógica. ISSN 1851-3751 (en línea) / ISSN 0327-5752 (impresa) Memoria Americana. Cuadernos de Etnohistoria 26.1 (2018) 100 As cartas dos Povos indígenas ao Brasil: a construção do arquivo 2000-2015 [94-104] 101 Todavia, as cartas dos indígenas não dizem somente de um ‘espaço entre dois’, como definiu Grassi, uma vez que essa idéia de correspondência não se cumpre aos modos do que o gênero exige. Isso porque, além de cartas que embaralham as relações públicas e privadas, estamos diante de cartas-manifestos, cartasdenúncias, cartas-documentais, tornadas públicas pelos próprios remetentes. Dessa forma, as cartas dos indígenas não são somente um gênero específico de escrita, mas uma diversidade de textualidades que têm mais na vontade dialógica, do que na própria realização dessa interlocução, a singularidade do tipo de escrita que comumente chamamos de carta. Relembrando Foucault (2004) e o seu texto “A escrita de si”, o que está em jogo quando se escreve cartas são os modos de dizer do ‘eu/outro’ no caminho do próprio cuidado. Assim, o dialogismo na escrita de uma carta se traduz no descentramento que o remetente constrói quando escreve sobre ‘si’ (Costa, 2013), mesmo que a resposta do destinatário tenha se perdido no tempo, tenha sido extraviada ou, simplesmente, não exista." Leia o artigo completo em: https://jornalistaslivres.org/as-cartas-dos-povos-indigenas-ao-brasil/


De Davi Kopenawa ao Brasil

Demini, 11 de novembro de 2002¹.


Caros Procuradores²,


Nós Yanomami queremos mandar esta carta para vocês porque estamos tristes com o sangue de nossos parentes mortos que está nas geladeiras nos Estados Unidos³.

Olha, falei com meu povo yanomami de Toototobi onde os americanos tiraram o sangue. Os velhos falaram que estão com raiva porque esse sangue dos mortos está guardado por gente de longe.

Nosso costume é chorar os mortos, queimar corpos e destruir tudo que usaram e plantaram. Não pode sobrar nada, se não o povo fica com raiva e o pensamento não fica tranquilo. Os americanos, esses, não respeitam nosso costume, por isso queremos de volta nossos vidros de sangue e tudo que tiraram do nosso sangue para estudar.

Precisamos ajuda de vocês para conversar com os americanos que têm nosso sangue para eles devolverem.


Obrigado, um grande abraço.

Davi Kopenawa Yanomami



¹ Aldeia Yanomami Demini, localizada na terra indígena Yanomami, Amazônia Legal – Brasil. Disponível em: <http://amazoniareal.com.br/laboratorios-dos-estados-unidos-devolvem-amostras-de-sangue-ao-povo-yanomami/>. Acesso em: 5 abr. 2021.
² Desde 2003 o Ministério Público Federal estruturou a câmara temática populações indígenas e
comunidades tradicionais (6ª Câmara de Coordenação e Revisão), que trata especificamente dos temas
relacionados aos grupos que têm em comum um modo de vida tradicional distinto da sociedade nacional
majoritária, como, indígenas, quilombolas, comunidades extrativistas, comunidades ribeirinhas e ciganos.
Disponíveis em: <http://www.mpf.mp.br/conheca-o-mpf/sobre/sobre-a-instituicao>;
<http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6>. Acesso em: 2 ago. 2016.
³ Entre 1960 e 1970, o antropólogo Napoleon Chagnon e o geneticista James Neel coletaram amostras sanguíneas dos Yanomami sem a autorização do povo, levando o material para ser analisado na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos da América. O material permaneceu sob a guarda da Universidade por mais de 40 anos.

Quem somos

 O projeto é coordenado pela Profa. Suzane Lima Costa (UFBA/CNPq) e conta com a colaboração da pesquisadora profa. Maria Hilda Baqueiro (UFBA) e do pesquisador Rafael Xucuru-Kariri (MEC). Também participam do projeto os estudantes de iniciação científica Gabriel Amorim (UFBA), Érica das Mercês (UFBA), João Carvalho (UFBA) e Beatriz Rodrigues (UFBA).


As cartas dos povos indígenas ao Brasil

Há algumas décadas os povos indígenas escrevem cartas para o Brasil. "Cartas sobre seus mortos, suas questões políticas e identitárias, suas terras, seus inimigos, cartas sobre suas vidas"; (LIMA COSTA, 2018).  

O projeto de pesquisa As cartas dos povos indígenas ao Brasil (CNPq) reunirá essas cartas em uma plataforma virtual e apresentará essas epístolas como uma outra versão do Brasil, narrada e criada pelos povos indígenas em três períodos importantíssimos da nossa história: 1630-1680 (antes do Brasil), 1888-1930 (na nação Brasil) e entre 2000-2020 (no presente Brasil). 

As cartas serão organizadas no site cartasindigenasaobrasil.com.br (em construção), lá vocês encontrarão um  acervo com mais de quinhentas cartas, uma galeria de cartas-imagens com trechos das cartas e os perfis biográficos dos indígenas autores dessas correspondências, além de artigos e livros que apresentam e analisam a questão da autoria indígena  e o Brasil destinatário das epístolas dos indígenas. 

Neste blog conversaremos semanalmente sobre cada uma dessas etapas de criação do site de cartas indígenas e daremos notícias sobre o andamento das nossas pesquisas e demais ações.