Leitura da carta do Conselho Aty Guasu Kaiowá Guarani para Luiz Inácio Lula da Silva

 


O Conselho Aty Guasu Kaiowá Guarani, organização responsável por assembleias e manifestações políticas e sociais do povo, é ativo na produção de cartas e notas sobre assuntos que estão relacionados à comunidade indígena e ao povo Guarani Kaiowá. Na carta escrita em 24 de agosto de 2010, juntamente com a Comissão de Professores Indígenas Kaiowá Guarani, o Conselho se manifesta acerca da demarcação de terras indígenas, ou ausência dela, promessa feita pelo presidente dirigente da época ao qual a carta é endereçada.

Em 2010, Luiz Inácio Lula da Silva cumpria o último ano do seu segundo mandato como presidente da república. Durante os oito anos de mandato, o ex-presidente Lula homologou 89 TIs, sendo apenas 22 delas fora da Amazônia, ainda que em promessas tenha afirmado priorizar a homologação das terras ocupadas pelos remetentes da carta: “Várias vezes ouvimos o senhor falar e nos prometer pessoalmente que iria resolver o problema da demarcação de nossas terras Kaiowá Guarani”, motivo pelo qual o Conselho Aty Guasu redige a carta é a ausência dessas ações no território onde residem.

Os Kaiowá habitam a região sul do Mato Grosso do Sul, com aldeias distribuídas às margens dos rios Apa, Dourados, Ivinhema, Amambai e a margem esquerda do Rio Iguatemi, o território ainda faz fronteira com os Guarani Ñandeva, Guarani Mbya e, ao norte, com os Terena. A carta do Conselho Aty Guasu Kaiowá Guarani cita ainda uma visita de Lula ao Mato Grosso do Sul: “senhor presidente Lula, o senhor vem aqui na região do nosso território Kaiowá Guarani, em Dourados, sem ter, em quase 8 anos de governo praticamente nada feito pelas nossas terras” e a questão da Funai ter assinado o Termo de Ajustamento de Conduta junto ao Ministério Público colocando a situação das terras indígenas Kaiowá como prioridade.

O TAC regulariza o desenvolvimento de atividades agrícolas feitas exclusivamente por indígenas em seu território, impedindo que agricultores e empresas se apropriem dessas regiões. O termo tem duração de dois anos e é um dos passos para o longo processo de demarcação de territórios indígenas, e segundo a carta esse tempo foi excedido: “O tempo já expirou e nada das nossas terras sequer serem identificadas”.

Outro ponto importante da carta é a violência sofrida e retratada pela comunidade, através da denúncia do assassinato de dois professores Guarani Ñandewa na terra indígena Ypo’i. Os Kaiowá assinalam como a questão da terra afeta o povo: “Nosso povo continua sendo morto que nem animal e muitos de nossos jovens se suicidam pela falta de esperança e de terra. Sofremos demais com tanta violência em e contra nossas comunidades”, situação que só se modificará através de projetos de demarcação e requalificação das terras.

O Conselho Aty Guasu Kaiowá Guarani juntamente à Comissão de Professores Indígenas Kaiowá Guarani finaliza a carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva exigindo a demarcação urgente do território além do respeito aos direitos do povo.


Fontes:

www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/o-que-o-governo-dilma-fez-e-nao-fez-para-garantir-o-direito-a-terra-e-areas-para-conservacao

https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Guarani_Kaiowá



Texto por: Érica Damasceno

Do Conselho da Aty Guasu Kaiowá Guarani para Luiz Inácio Lula da Silva

Dourados, 24 agosto de 2010.

Senhor Presidente Lula,

Várias vezes ouvimos o senhor falar e nos prometer pessoalmente que iria resolver o problema da demarcação de nossas terras Kaiowá Guarani. Não entendemos porque isso até hoje não aconteceu. Ouvimos até o senhor pedir isso ao governador. Porém, como ele se manifestou várias vezes contra o reconhecimento de nossas terras, tínhamos a certeza de que ele não só nada faria, como se empenhou em impedir a demarcação.

Agora, senhor presidente Lula, o senhor vem aqui na região do nosso território Kaiowá Guarani, em Dourados, sem ter, em quase 8 anos de governo praticamente nada feito pelas nossas terras. Ou melhor, fizeram muitas promessas, a Funai colocou a nossa situação como prioridade, assinou juntamente com o Ministério Público um Termo de Ajustamento de Conduta. O tempo já expirou e nada das nossas terras sequer serem identificadas.

Senhor Presidente, por favor, não prometa nada, mande apenas demarcar nossas terras. O resto sabemos dos nossos direitos e vamos batalhar por eles. Já esperamos demais e toda nossa enorme paciência acabou. Só esperamos não precisar ir pelo mundo afora, na ONU e nos tribunais internacionais denunciar um governo em quem tanto esperamos. Temos a certeza que o senhor que quer entrar para a história como um grande presidente desse país e para a humanidade, não queira entrar também como massacrador do nosso povo. Caso não demarcar as terras, infelizmente é isso que continuará a acontecer conosco. O senhor já deve ter ouvido falar do recente assassinato dos nossos dois professores, Jenivaldo e Rolindo, na terra indígena Ypo’i, município de Paranhos. Seus familiares vieram aqui exigir justiça e garantia de vida e seus direitos à sua terra tradicional à qual voltaram recentemente. Querem encontrar o corpo de Rolindo e ali enterrar Jenivaldo.

Finalmente, senhor presidente Lula, Não deixe nosso povo Kaiowá Guarani sofrendo tanto. Nosso povo continua sendo morto que nem animal e muitos de nossos jovens se suicidam pela falta de esperança e de terra. Sofremos demais com tanta violência em e contra nossas comunidades. Isso só vai começar a mudar com a demarcação de nossas terras, juntamente com um plano de recuperação ambiental e produção de alimentos.

Não fazemos pedidos, exigimos direitos. Demarcação de nossas terras com urgência para que nosso povo volte a viver em paz, com felicidade e dignidade.

Conselho da Aty Guasu Kaiowá Guarani e Comissão de Professores Indígenas Kaiowá Guarani


Fonte: www.ecodebate.com.br/2010/08/27/carta-kaiowa-guarani-ao-presidente-lula/