“Presidenta Dilma, roubaram nossa mãe. A maltrataram, sangraram suas veias, rasgaram sua pele, quebraram seus ossos… rios, peixes, árvores, animais e aves… Tudo foi sacrificado em nome do que chamam de progresso. Para nós isso é destruição, é matança, é crueldade. Sem nossa mãe terra sagrada, nós também estamos morrendo aos poucos. Por isso estamos fazendo esse apelo no começo de seu governo.”
Será que desta vez uma mãe protegerá outra?
No dia primeiro de janeiro de 2011, Dilma Rousseff tomou posse da presidência da república e se tornou a 36º pessoa a ocupar o mais alto cargo da política brasileira, a presidência.
Ela foi a primeira mulher nesta posição. E esse fato, na época, marcou um tensionamento nas estruturas da política brasileira.
Como em qualquer processo de escolha eleitoral, o resultado agradou a uns e, em contrapartida, desagradou a outros.
Mas aqui o que nos interessa, em primeira instância, é: como o governo da primeira presidenta do Brasil respondeu às agendas dos povos originários do Brasil?
Para tanto, neste texto falar-se-á um pouco acerca da situação vivenciada, em uma instância geral, pelos povos indígenas durante o governo de Dilma Rousseff (2011-2016). Isso será feito através de uma leitura crítico-analítica da carta do povo Guarani Kaiowá, datada no dia 31 de janeiro de 2011 e destinada ao então presidente do Brasil.
Logo nas primeiras linhas da carta, que foi escrita ainda no mês da posse de Rousseff, é possível notar uma certa “felicidade” por parte dos Kaiowá em saber que ela havia sido escolhida, através do voto popular, para gerir a nação. Isso fica claro no trecho a seguir:
“Que bom que a senhora assumiu a presidência do Brasil. É a primeira mãe que assume essa responsabilidade e poder.”
Mas no decorrer da epístola, ocorre uma mudança no conteúdo da mensagem e o que antes indicava um certo contentamento começa a apontar um pedido, que se transforma em súplica com o desenrolar das linhas.
Essa súplica solicita à nova presidente que dê maior atenção à agenda indígena durante o seu mandato, pois o histórico de atitude dos presidentes anteriores a ela não foi efetiva no que diz respeito à pauta. Essas negligências corroboraram para uma série de dores amargadas pelos povos indígenas. Negligências essas que ferem suas vivências e sobrevivências em diversas instâncias. Mas na carta, o ponto mais destacado pelos Guarani Kaiowá são os ataques a um dos seus bens mais preciosos, a terra, citada na carta como “mãe”.
A visão da terra para o indígena segue uma lógica diferente da visão colonial, que promove um consumismo desenfreado, doentio e nocivo encoberto pela ideia de progresso. A terra que o indígena pisa faz parte de quem ele é e do que o constitui espiritual e cosmologicamente.
Portanto, essa carta é , antes de tudo, um pedido desesperado por socorro e sobrevivência. Quando os Kaiowa a escrevem, projetam também as vozes de todos os povos indígenas, pedindo à presidenta Dilma, pois tem a esperança de uma mudança de cenário, eles acreditam que uma mãe, a presidente, irá proteger a outra, a terra, e assim a vida de seus filhos serão protegidas, garantidas e respeitadas.
É de extrema importância destacar que pedidos como esses não são inéditos, e nem cessarão com esta carta. A população indígena ainda há de pedir muito à presidência e a outras instâncias de poder. Afinal, a posição de pedinte foi imposta a estes povos devido a colonização e seus rastros.
Contudo, devemos levantar o seguinte questionamento: A solicitação da carta foi atendida ou ao menos ouvida?
Como um caminho de resposta é possível seguir os dados do programa de monitoramento de áreas protegidas do Instituto Socioambiental. A estatística deste estudo aponta que o governo Dilma não fez questão de inclinar seus ouvidos a esse pedido. E revela, também, que durante seu mandato cerca de apenas 21 T.Is (terras indígenas) foram homologadas, o que não é satisfatório.
Mas, em contrapartida, o desmatamento criminoso em territórios pertencentes aos indígenas aumentou juntamente com os empreendimentos não indígenas em parcela territorial de domínio indígena.
Essas informações, juntamente com a leitura da carta, montam não só uma resposta à epístola, mas também nos faz refletir sobre até quando os presidentes, as instâncias de poder e a sociedade brasileira irão tapar os ouvidos e virar as costas para os povos indígenas.
-Para ler a carta na íntegra acesse: https://cimi.org.br/2011/02/31520/
-Para saber mais sobre o assunto acesse:
- http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/546118-o-desenvolvimento-e-o-fim-da-cosmovisao-indigena-entrevista-especial-com-bruno-caporrino
- https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/o-que-o-governo-dilma-fez-e-nao-fez-para-garantir-o-direito-a-terra-e-areas-para-conservacao
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