Parte do projeto As cartas dos povos indígenas ao Brasil é produzir biografias a partir de um trabalho de montagem que envolve o imaginário, pesquisa documental e ficção. Na construção dos perfis dos Chefes Potiguaras, a ideia é construir suas biografias a partir de cartas que resultaram da atuação desses indígenas no período da história do “Brasil-Holandês”, entre 1633 e 1695. Dentre os registros de guerras e incursões, há documentos considerados oficiais e cartas produzidas por líderes indígenas que atuaram nas batalhas entre lusitanos e neerlandeses, como a Batalha dos Guararapes em Pernambuco. Entre os escritos estão produções de Antônio Paraupaba e Pedro Poty, além de cartas escritas por Diogo Pinheiro Camarão e Diogo da Costa para Pedro Poty, de Poty para Antônio Filipe Camarão e deste para outros indígenas aliados aos holandeses.
A atuação desses líderes indígenas foi soterrada, assim como suas vidas e seus rostos ausentados das histórias oficiais. Pesquisadores brasileiros como Teodoro Sampaio, Eduardo Navarro, Pedro Souto Maior e Bartira Barbosa lançaram-se na empreitada de tradução e movimentação das cartas trocadas entre os caciques nordestinos que fizeram parte das batalhas entre Portugal e Holanda no Brasil do século XVII, e partir da leitura e análise dessas cartas serão produzidos os perfis biográficos dos Chefes Potiguares, construindo ainda um rosto para esses líderes.
A reconstrução e, no que aqui cabe, a construção desses rostos através de um jogo de experimentação artística, busca tornar nova e viva a consciência (DEWEY, 2010) da existência desses indígenas narrando uma outra história do Brasil do século XVII. Uma vez que as cartas escritas por indígenas disponíveis no site cartasindigenasaobrasil.com.br já permite uma outra forma de acessar outras temporalidades através do fazer biográfico dos povos indígenas do Brasil, essa pesquisa tem o objetivo de extrapolar os limites do texto e unir literatura, história e arte para a criação dos perfis dos líderes potiguaras em um exercício de montagem e remontagem (DIDI-HUBERMAN, 2016),onde, através da linguagem imagética, possa se estender em múltiplas direções e dimensões (CUSICANQUI, 2015) retratos do que foram e poderiam ter sido esses chefes na história do Brasil.
A princípio serão montados os perfis de Pedro Poty, Antônio Paraupaba, Antônio Filipe Camarão e Diogo Pinheiro Camarão, talhando a imagem com as cartas como instrumento e o imaginário na conjectura dos elementos ausentes e separados pelo tempo (DIDI-HUBERMAN, 2016). Ainda, serão desenvolvidas análises acerca de como são criados os espaços biográficos na escrita (ARFUCH, 2010) e que movimentos são desenvolvidos no exercício de autoria desses indígenas. O resultado da montagem dos perfis imaginados dos Chefes Potiguaras que escreviam cartas no Brasil do século XVII ficará disponível para acesso na página Remetentes do site do projeto As Cartas dos Povos Indígenas ao Brasil, com o objetivo de criar um acervo dessas biografias e dar rosto aos remetentes, respondendo a questão "quem são os indígenas que escrevem cartas?".
Texto de: Érica Damasceno
Referências:
ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Tradução de Paloma Vidal. Rio de Janeiro; EdUERJ, 2010.
CUSICANQUI, Silvia Rivera. Sociologia de la imagen: ensayos. - 1a ed. - Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Tinta Limón, 2015.
DEWEY, john. Arte Como Experiência. (trad. Vera Ribeiro;. introd.: Abraham Kaplan). SÃO PAULO: MARTINS, 2010.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Remontar, remontagem (do tempo). Tradução: Milene Migliano; Revisão: Cícero de Oliveira. In: Caderno de Leituras n.47, 2016.
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